II Aquilombar reúne milhares de quilombolas de todo o Brasil para reivindicar direitos

Foto Aquilombar

Por: Letícia Queiroz

O II Aquilombar: Ancestralizando o Futuro foi um ato histórico. A Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) juntamente com milhares de quilombolas de todas as partes do Brasil se reuniram em Brasília (DF), nesta quinta-feira (16). O objetivo do encontro foi reunir as comunidades para reivindicar direitos e promover a valorização da cultura e das tradições quilombolas. O evento contou com cobranças de lideranças, entregas do Governo Federal e marcha até o Congresso Nacional.

A principal exigência é a titulação dos territórios quilombolas. Ministros, ministras e outros representantes de órgãos do Governo Federal estiveram presentes e ouviram as demandas das comunidades. Uma carta com as necessidadesdos quilombos foi entregue às autoridades.

Veja aqui: CARTA POLÍTICA – AQUILOMBAR – 2024.

Durante o ato, coordenadores e coordenadoras da CONAQ usaram a plenária para denunciar e cobrar Justiça por quilombolas assassinados por conta de conflitos. “Muitos não estiveram aqui no Aquilombar porque tombaram por conta da luta pelo território ancestral”, disse emocionada Selma Dealdina Mbaye. 

As lideranças expuseram a insegurança das comunidades por conta da demora em titular territórios, situação que abre margem para conflitos, ameaças, perseguições e assassinatos. De acordo com um estudo inédito divulgado nesta quinta-feira (16) pelo Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com a CONAQ, mais de 98% dos territórios quilombolas estão ameaçados no país.

O evento contou com feira temática quilombola, oficinas, performances culturais, rodas de conversa e com uma grande caminhada que tomou as ruas de Brasília.

O coordenador executivo da CONAQ, Biko Rodrigues acompanhou o ato e exigiu do estado brasileiro políticas que garantam dignidade-viver para quilombolas de todo o Brasil. “Nós não vamos admitir que nos matem. Estamos em pé, dizendo que queremos reconstruir, queremos democracia e queremos viver. Somos o que somos porque resistimos”, disse sobre o trio.

Lideranças também falaram sobre Educação Escolar Quilombola, Direitos das Mulheres, da população LGBTQIAP+, Meio Ambiente e do papel dos quilombos na proteção dos biomas. “Mesmo sendo um momento festivo para nós, é também um momento de reflexão para a crise climática que está acontecendo. Mas nós seguimos firme, porque o Brasil também é quilombola”, disse Biko Rodrigues.

Givânia Silva, co-fundadora da CONAQ reafirmou a necessidade da presença de quilombolas nos espaços. “Nada para nós sem nós. Queremos participar de todas as decisões do Governo sobre as políticas que nós queremos”, disse.

“Espaço de resistência”

Quilombolas de todo o país saíram das comunidades, formaram caravanas  e viajaram longas distâncias para chegar ao ato. 

Rosimeire Maria da Silva, do quilombo Leitão da Carapuça, em Afogados da Ingazeira (PE) participou do Aquilombar. “Esse foi meu primeiro Aquilombar, foi a minha primeira vez. Eu vim com a galera de lá do quilombo e vendi meus produtos também: biscoito de castanha, licor e geleia de umbu. Com certeza foi  muito proveitoso esse Aquilombar e tranquilo pra todo mundo”. 

Samilly Valadares, do quilombo Oxalá de Jacunday, em Moju (PA), é do Coletivo de Juventudes da CONAQ e defendeu as pautas apresentadas no Aquilombar. “Estou muito feliz com esse espaço de resistência, aquilombamento e protagonismo das nossas comunidades. São quilombolas do Brasil todo vindo ocupar Brasília e demarcar as nossas narrativas. Então a expectativa pra hoje é que a gente fortaleça o movimento, ancestralize o futuro e construa estratégias de resistências a partir das nossas narrativas de quilombolas para quilombolas”.  

Fabiana Júnior dos Santos, do Quilombo Raízes, também esteve no Aquilombar pela primeira vez. Ela é de Presidente Kubitschek (MG). “Sou do Quilombo Raízes e trouxe o capim dourado que é o artesanato da nossa comunidade. A minha expectativa para o dia de hoje é muito conhecimento. Essa é a primeira vez que eu venho, espero que seja a primeira de muitas”, disse.

Ministérios, secretarias e Institutos no Aquilombar 

Estiveram presentes a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, o presidente do Incra, César Fernando Aldrighi, o ministro Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macedo, João Jorge, presidente da Fundação Cultural Palmares, entre outros representantes de órgãos do governo Federal. 

O Governo Federal entregou 8 certificações, 2 Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação, 4 portarias de reconhecimento e um Programa de Apoio e Fortalecimento ao Etnodesenvolvimento.

Anielle Franco, Ministra da Igualdade Racial, defendeu o movimento e disse que deseja ver os quilombos titulados e os territórios livres.  “A minha luta vem de um luto, a gente não estaria aqui se não valesse a pena por um projeto político de país melhor do que a gente acredita. Eu não serei livre, enquanto todos nós não formos. A gente precisa cada vez mais se conectar e estarmos juntos. Eu não acredito em uma missão solitária, a gente acredita sim, na missão coletiva. É por isso que a gente tá aqui hoje, é por isso que é importante ter esses encontros. A gente é o começo, o meio e o começo porque a gente resiste, não tem fim a nossa luta e nunca terá porque a ancestralidade resiste. Somos hoje uma única força”, disse ao lembrar de Nêgo Bispo. 

João Jorge, presidente da Fundação Cultural Palmares, afirmou que o compromisso do novo governo do Brasil é levar a certificação das comunidades quilombolas para que o Incra possa finalmente dar a titulação dessas comunidades. João Jorge relembrou nomes ancestrais, como Nego Bispo, Mãe Bernadete e Abdias do Nascimento. “Precisamos parar que as pessoas morram pra ter um título. O meu papel é retomar essa política”. 

Na ocasião, o presidente do Incra, Cesar Aldrig,disse que a Instituição tem orçamento de R$ 137 milhões e firmou compromisso de titular mais territórios ao longo do ano.  “Esse aqui é o maior evento da população quilombola do país. Reconhecemos que esse país tem uma dívida enorme com o povo quilombola. O Incra se comprometeu em titular territórios ao longo do ano e desintrusar áreas invadidas por não quilombolas.

Aldrig comentou sobre os 35 mil hectares de portarias publicadas para os povos quilombolas. A ação faz parte do pacote de entregas do Programa de Apoio e Fortalecimento ao Etnodesenvolvimento e Acesso à Terra e ao Território (PAFE), da Secretaria de Territórios e Sistemas Produtivos Quilombolas e Tradicionais (SETEQ), do Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar (MDA). 

As entregas do PAFE incluem:

Ampliação dos mercados institucionais; atendimento de quase 10 mil famílias quilombolas; criação de cinco selos quilombolas; entrega de dois planos de proteção dos territórios quilombolas em conflito agrário e vinte e cinco protocolos de consulta; apoio a 500 famílias dos Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) rurais; publicação do material didático do Projeto Memória Quilombola; criação da feira nacional de PCTs; criação do Marco Regulatório de Regularização Fundiária de Povos e Comunidades Tradicionais e a divulgação do edital para projetos de Recuperação de Nascentes e titulação de territórios quilombolas. 

Anúncios sobre terras foram feitos, mas sobre novas titulações e decretos, o ministro Paulo Teixeira afirmou que o presidente Lula quer fazer em um evento “muito próximo”. 

A ministra da saúde, Nísia Trindade, recebeu o Coletivo Nacional de Saúde Quilombola da CONAQ para audiência realizada no dia 16. Na ocasião foram firmados compromissos e pactuações importantes para o avanço na garantia do acesso à saúde para a população quilombola do Brasil, dentre eles:

  • Constituição de uma Portaria do Ministério da Saúde instituindo o GT de Saúde Quilombola (MS/MIR/Movimento Quilombola);
  • Criação da Política Nacional de Saúde Integral da População Quilombola;
  • Criação do Programa Mais Saúde nos Quilombos, no nível federal.

O evento na Funarte foi finalizado com uma festa cultural com muita música e dança. 

Foto: Thaiane Miranda

Texto com colaboração de Tauani Lima e Ester Cezar

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