Fórum Quilombola debate remanejamento de processos quilombolas para Comarca do MPF de Palmas

Por Geíne Medrado

Em reunião do Fórum Quilombola, realizada nesta terça-feira, 16, entre a Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins (COEQTO), lideranças quilombolas do Baião e Brejão e o Procurador Federal Álvaro Manzano, na sede do Ministério Público Federal, em Palmas, foi debatido sobre o andamento dos processos das comunidades quilombolas que passarão a tramitar diretamente na comarca de Palmas, independente da Região do Estado.

Na ocasião, a COEQTO também pontuou as questões vivenciadas pelos quilombolas dos territórios Baião, no município de Almas-TO, Brejão, no município de Natividade, Claro, Prata e Ouro Fino, que enfrentam ameaças diretas pelos fazendeiros que invadiram seus territórios. Moradores relatam incêndios, desmatamento, assassinato de animais e outros tipos de intimidação.

Foto Geíne Medrado

Entenda a situação do Baião

Atualmente, a comunidade do Baião, no município de Almas, vive sob a ameaça de impactos ambientais e sociais que podem ser causados pelo início das atividades de extração e lavra de ouro, da empresa mineradora Aura Almas Mineração LTDA, que se instalou na região, sem a realização de consulta prévia junto aos quilombolas do território Baião.

 “A comunidade não teve esclarecimento sobre o processo de instalação da mineradora. A empresa está lá, sabemos que nosso território está sendo explorado por eles, porém ninguém veio conversar com a gente até hoje. Nós da comunidade estamos com medo, porque fomos surpreendidos e sabemos que coisas boas não virão para nós através da mineração”, relata Eliene Fernandes Crisóstomo de Almeida, liderança do quilombo Baião.

Além da invasão de suas terras, o que preocupa a comunidade é a degradação ao meio ambiente em virtude da construção de três barragens acima do território, sem o devido estudo de impacto ambiental, que podem causar danos irreversíveis em caso de desastres sem ações reparatórias da empresa. Vale ressaltar ainda que a atuação da mineradora intensifica um problema já enfrentado pelos moradores da região: a escassez de água, visto que a área de armazenamento de rejeitos da mineradora incide diretamente sobre o único rio que passa pelo território, Rio Riachão, que, aliás, está em processo de assoreamento em decorrência do desmatamento para plantio de soja e criação de gado na margem da nascente do Rio.

Segundo o presidente da Associação Quilombola do Baião, Siran Nunes de Sousa, em 2021, funcionários da mineradora fizeram abordagens individuais às famílias do Baião, e ao serem convidados a explicar abertamente suas atividades no território, não compareceram às reuniões da associação. “Nunca fomos procurados coletivamente pela empresa, nem pela prefeitura para sabermos o que estava acontecendo, sendo que naquele momento funcionários da empresa foram até a fazenda do meu pai, analisaram e marcaram ponto para exploração de ouro”, disse.    

Diante da violação ao direito de consulta livre e informada previsto na Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho, a comunidade realizou uma denúncia junto ao Ministério Público Federal, em setembro de 2021, solicitando que o órgão intervenha no andamento da implementação desse empreendimento e assegure ao território Baião o direito da consulta livre, prévia e informada com amplo acesso aos estudos de impactos da mineradora e que possam os próprios quilombolas apontarem o que avaliam que seja melhor para a comunidade.

Entretanto, a primeira movimentação do processo pela comarca de Gurupi, representada pelo Juiz Bruno Silva Domingos, só foi realizada em 29 de julho de 2022, 10 meses após o relato da denúncia na sala do Cidadão do MPF. A última movimentação ocorreu no dia 05 de agosto de 2022, cuja despacho oficiou a Agência Nacional de Mineração para que preste informações, no prazo de 10 dias, acerca da autorização de pesquisa ou lavra concedida à Aura Almas Mineração Ltda, devendo o documento esclarecer quais os limites territoriais da autorização concedida, bem como os impactos ambientais decorrentes das atividades.

Também foram oficiados a Fundação Cultural Palmares e ao INCRA, a fim de que informem, no prazo de 10 dias, em que fase se encontra o procedimento administrativo de titulação do território da comunidade. Já o NATURATINS deverá informar, no prazo de 10 dias, se foi concedido licenças ambientais de instalação e operação em favor da Mineradora, bem como esclareça quais os impactos ambientais mais prováveis decorrentes da atividade minerária desenvolvida no município. 

A partir da chegada das respostas dos órgãos oficiados, o MPF fará a deliberação acerca da necessidade de produção de prova pericial, notadamente estudo antropológico, a fim de apurar se há, de fato, impactos ambientais decorrentes da atividade minerária sobre a comunidade quilombola.

As lideranças do Baião apresentaram ao procurador Manzano, o Protocolo de Consulta Pública do Baião, concluído em 23 de julho de 2022, e que será anexado ao processo contra a mineradora, pelo Assessor Jurídico da COEQTO Cristian Ribas.

  • Acesse aqui protocolo de Consulta

“O objeitvo do Protocolo de Consulta é mostrar que nós existimos e que não aceitamos qualquer empreendimento em nosso território, com o intuito de preservar o nosso bem-estar, cultura e identidade. Por meio da consulta pública pretendemos fazer com que a empresa avalie os impactos ambientais na região”, explicou Maryellen Crisóstomo, quilombola do Baião e coordenadora executiva da COEQTO, que participou ativamente da elaboração do documento junto à comunidade. 

Entenda a situação de Claro, Prata e Ouro Fino

A situação do território Claro, Prata e Ouro Fino, em Paranã é igualmente preocupante. “Diante dessa situação de ameaça, as pessoas estão com medo e acabam não registrando boletim de ocorrência. Agora, estão abrindo o turismo lá dentro do território quilombola, o problema é que isso está acontecendo sem a devida discussão com a comunidade. Precisamos agir agora para que não se repita o que aconteceu no Jalapão, das comunidades se virem dentro do turismo sem opção de escolher isso”,  disse Maria Aparecida Sousa coordenadora executiva da COEQTO.

Sobre a situação de Brejão

A comunidade quilombola de Brejão, em Natividade, vem enfrentando embates direto com grileiros que já ocasionou em mortes de animais domésticos, ação judicial do fazendeiro contra as lideranças do território. A denúncia foi relatada no MPF de Gurupi, mas, a comunidade recebeu decisão desfavorável e agora ação tramita em Brasília.

Encaminhamentos

A COEQTO solicitou que os processos que tramitam na comarca de Gurupi, como ocorre no caso do Baião, fossem transferidos para Palmas, para que a instituição possa fazer o acompanhamento mais próximo, tendo em vista a morosidade no andamento desses processos, que requerem urgência nas decisões judiciais visando não aumentar os prejuízos e danos causados pelas atividades de exploração econômica nas comunidades.

A COEQTO em parceria com a APA-TO se comprometeu a realizar, no prazo de 15 dias, a construção de um mapa com maior precisão topográfica do território Brejão para ajudar as autoridades responsáveis a identificarem as invasões no quilombo.

A COEQTO pediu apoio do MPF e dos órgãos ambientais para que possam proteger os moradores desses locais contra as ameaças dos exploradores, bem como orientar quanto aos impactos do turismo.

O MPF sugeriu realizar uma audiência pública com as comunidades Prata, Clara e Ouro Fino com a presença de órgãos ambientais.

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