Encontro da CONAQ reuniu mulheres de todas as regiões do país para discutir demandas dos territórios 

II Encontro Nacional de Mulheres Quilombolas aconteceu entre os dias 14 e 18 de junho e reuniu mulheres de 24 estados e de todos os biomas

Por Geíne Medrado 

O II Encontro Nacional de Mulheres Quilombolas da Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) aconteceu entre os dias 14 e 18 de junho, em Brasília-DF, com o objetivo de promover trocas de diálogos entre as várias organizações de comunidades quilombolas do Brasil para unir forças pela justiça e igualdade. O evento reuniu mais de 350 mulheres de 24 estados brasileiros, além de mulheres afrodescendentes de outros países da América Latina. 

Do Tocantins, mais de 18 mulheres de 14 quilombos participaram do Encontro. A  delegação do Estado contou com a presença da Defensoria Pública do Estado do Tocantins, por meio do Núcleo Especializado de Questões Étnicas e Combate ao Racismo (Nucora), e com apoio da Secretaria dos Povos Originários e Tradicionais (Sepot), por meio da Diretoria de Proteção Quilombola. 

A programação foi composta por mesas de discussão com autoridades do Governo Federal, convidados e coordenadoras da CONAQ, além de grupos de trabalhos, mística de abertura organizadas por regiões do Brasil, mostras de produtos das mulheres quilombolas dos Estados e apresentações culturais. 

No último dia de programação, 17, teve lançamento de publicações escritas por mulheres quilombolas, além de muita descontração e músicas da ancestralidade. O momento foi reservado ainda para homenagens a companheiras quilombolas e parceiros. 

Flávia foi homenageada com apresentação cultural do Quilombinho. Foto: divulgação

Uma das homenageadas, a jornalista quilombola Flávia Oliveira, teve parte de sua história ancestral contada e se emocionou. ”Quanto mais sabemos das nossas origens, melhor traçamos os nossos destinos. Acho que essa busca do passado é fundamental para consolidar essa trajetória que me ajuda a falar das histórias de todas nós. Estou profundamente grata por essa memória sendo aflorada mais uma vez”, disse. 

Ao final do evento, foi lida a carta do Encontro, que resumiu os principais pontos discutidos na edição. O documento foi aprovado por todas as mulheres quilombolas participantes. 

Somos mulheres quilombolas, todos os dias criamos e recriamos a vida. Existimos e resistimos e, assim, temos dado muitas chances ao Estado brasileiro de reinventar o sentido de cidadania para o povo que construiu com as suas mãos o país que temos. Certas da nossa força e da força do movimento quilombola, repetimos: nós, mulheres quilombolas, seguiremos a nossa missão de resistir para existir! E exigimos do Estado brasileiro atenção para as nossas demandas!”,  cita trecho da carta escrita por  mulheres quilombolas durante o encontro. 

Confira a carta na íntegra aqui –  Carta mulheres quilombolas – II encontro

Mostra das mulheres quilombolas

Durante todos os dias do Encontro, foram expostos produtos produzidos por mulheres dos 24 estados participantes do evento. Confira, abaixo, os relatos de algumas mulheres que trouxeram seus produtos para comercializar na mostra.  

Espírito Santo

Mulheres quilombolas do Estado do Espírito Santo vendendo diversos produtos na feira do Encontro. Foto: Geíne Medrado

Sandra dos Santos Penha, 47 anos, da comunidade Quilombola Divino Espírito Santo, no município de São Mateus – ES, trouxe o beiju de tapioca para comercializar na mostra das mulheres, o produto é uma tradição na sua comunidade. Dentre os diversos sabores produzidos estão o beiju de coco, paçu de coco e beiju de amendoim. Sandra conta que a produção do beiju ainda é artesanal, mas que o grupo de mulheres da sua comunidade estão empenhadas em conseguir o selo de comercialização. Ela explica como é feita a produção: 

Cada família tem uma farinheira, e cada mulher produz na sua. Usamos a goma, que vem do polvilho da mandioca, usamos açúcar e coco. Nós produzimos e comercializamos nas feiras do nosso município e temos outros produtos que complementam a renda como a pimenta, o corante, o café que predomina dentro das nossas comunidades” disse.

Rio de Janeiro

Dona Landina Maria Antônia de Oliveira, do quilombo Maria Joaquina, vendendo seus produtos na Mostra das Mulheres. Foto: Geíne Medrado

Landina Maria Antônia de Oliveira, 68 anos, presidente da associação do quilombo Maria Joaquina, em Cabo Frio – RJ, trouxe bolsas, pochetes e necessaire produzidas em um ateliê, onde 48  mulheres aprendem e fabricam os produtos. Ela conta mais sobre a importância desse projeto. “É um projeto de fortalecimento e renda para as mulheres. Conseguimos as máquinas do ateliê através de um edital e juntamos mulheres para participar. Tínhamos mulheres que não saiam de casa porque tinham medo de se comunicar e através do projeto elas perderam esse medo. Nós pretendemos montar uma cooperativa e trazer mais renda para as mulheres”, relatou.

Mato Grosso do Sul

Luzia Balbina dos Santos, do quilombo Furnas do Dionízio, vendendo mandalas na feira do Encontro. Foto: Geíne Medrado

Luzia Balbina dos Santos, 54 anos, do quilombo Furnas do Dionízio, município Jaraguri – MS, trouxe para exposição um pouco da produção artesanal feita por um grupo de mulheres do quilombo. Uma das peças, a mandala, leva o formato de uma flor e é feita com sementes de plantas do cerrado como ‘Pente de Macaco‘ e ‘Carobinha‘, colhidas na região. Luzia cita outras peças como o ‘cachepot‘, que serve de vaso ou porta-trecos, feito da fibra da bananeira e sementes de coco, além de peneiras feitas de ‘taboca’. “Nosso grupo se reúne e ensina outras mulheres para manter a tradição. As peças são comercializadas na feira mensal organizada pela nossa Associação. Então é muito gratificante estar expondo o nosso trabalho aqui, viemos em 13 mulheres representando o nosso quilombo”, disse. 

Tocantins 

As quilombolas tocantinenses Ivanilce de Araújo Lopes e Juelina Alves da Silva na mostra do Encontro. Foto: Bruna Santos

Ivanilce de Araújo Lopes, 39 anos, do quilombo Mata Grande, em Monte do Carmo – Tocantins, trouxe para comercialização o bolo de arroz e o bolo de mãe, ambos feitos na palha de bananeira, além do bolo quebrador, peta e licor de jenipapo. “Essa tradição culinária era da minha avó e foi passando de geração em geração. Muitas pessoas passaram pela nossa banca e estão gostando e elogiando muito. Estamos aqui juntas para apresentar a nossa potência. Mulheres quilombolas ajudando mulheres quilombolas“, comentou. 

Juelina Alves da Silva, 49 anos, do quilombo Lagoa Azul, em Ponte Alta do Tocantins, exibiu  peças de capim dourado que representam as produções de mulheres quilombolas artesãs da Região Jalapão, tais como jóias, ‘Sousplat‘, ‘tapiti‘, ‘quibano’, entre outros.  “O capim dourado é nativo das veredas e ele é um produto muito importante pra gente, pois através do capim dourado fazemos nosso artesanato. Eu aprendi com uma cunhada, mas a minha mãe já fazia, só que não tinha muito valor naquela época. Hoje, é algo valorizado. Está fazendo o maior sucesso o nosso capim dourado“, disse.

Mesas de discussão

Foto: Cláudio Kbene

O primeiro dia do encontro, 14, contou com a participação da primeira-dama, Janja Lula da Silva, da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, da ministra da Mulher, Cida Gonçalves, e do ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, além do Ministro da Secretaria Geral da Presidência, Márcio Macedo, e de vários parlamentares.

Durante a realização das mesas de discussão, as mulheres denunciaram a violência contra à mulher negra e quilombola e o racismo estrutural,  e cobraram do Estado a elaboração de políticas públicas específicas para as mulheres quilombolas e a regularização dos territórios. Foram relatados ainda problemas como precarização das escolas e do serviço de saúde.

Sandra Maria da Silva, coordenadora Executiva da CONAQ, agradeceu a presença das mulheres no encontro e reforçou a pauta do evento. “Nós somos mulheres de luta. Esse momento é de dar visibilidade às mulheres quilombolas e reivindicações dos direitos territoriais. Esse momento é de construção e reconstrução das políticas e de titulação de nossos territórios. Passamos por percalços, mas sobrevivemos. Estamos aqui juntas para construir”, pontuou. 

A primeira-dama, Janja, agradeceu o convite para participar do Encontro e após repassar os cumprimentos do presidente Lula, reforçou a importância das mulheres negras e quilombolas na retomada da democracia. Citou a necessidade de combater a misoginia e violência contra a mulher. Destacou ainda a falta de representatividade das mulheres no parlamento e a importância da mulher ocupar os espaços de poder. 

Na ocasião, a ministra Anielle Franco citou o desenvolvimento de políticas para a população quilombola no atual Governo, como a construção da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola (PGTAQ) e o Plano Nacional de Titulação dos Territórios Quilombolas, uma demanda histórica da CONAQ.

Paulo Teixeira disse que um dos objetivos do ministério é promover o desenvolvimento das economias quilombolas e a regularização fundiária. Destacou que as áreas quilombolas e indígenas serão incluídas no programa de aquisição de alimentos e que o governo pretende  incentivar a agroindústria quilombola. 

Após ouvir as demandas das mulheres, em especial sobre a burocracia de editais de fomento, a ministra da Mulher, Cida Gonçalves, falou da importância de garantir a geração de renda dentro dos territórios, e da luta pela igualdade salarial entre homens e mulheres. Reforçou que uma das perspectivas do governo é trabalhar a igualdade no Brasil, e que serão discutidas formas de avançar no repasse de verbas para mulheres quilombolas. 

Projetos 

Meninas da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas. Foto: divulgação

No segundo dia,15, foram apresentados projetos desenvolvidos pela CONAQ e parceiros. Dentre os projetos citados está a Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas, projeto apoiado pelo Fundo Malala. Na ocasião, as meninas participantes do projeto falaram de suas experiências nas escolas e denunciaram as dificuldades no ensino como a inferiorização da educação. 

Em vídeo inédito exibido durante o Encontro, as meninas apresentaram as principais reivindicações das estudantes quilombolas. Foram defendidas a abordagem de conteúdos voltados para a realidade quilombola, educação baseada nas diretrizes da educação quilombola, transporte e merenda escolar de qualidade, e formação de professores voltada para os saberes do povo quilombola. 

Programa Aquilomba Brasil 

O Secretário da Secretaria Nacional de Políticas para Quilombos, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e Ciganos, no Ministério da Igualdade Racial, Ronaldo dos Santos, falou do compromisso com as mulheres quilombolas dentro da agenda governamental e destacou que umas das prioridades é criar estratégias para avançar na titulação dos territórios, citando o programa Aquilomba Brasil, criado pelo decreto 11.447/2023 como parte do pacote pela igualdade racial do Governo Federal. 

Grupo de Trabalho (GT’s)

Foto: Geíne Medrado

Durante os dias de encontro, as mulheres se reuniram com o intuito de promover a troca de conhecimento e discutir demandas dos territórios. E com isso, buscar estratégias para soluções dos problemas relatados. Foram discutidas diversas temáticas, entre elas estão:

Mulheres quilombolas comercialização, produção, renda e previdência rural e Bioeconomia. 

As mulheres fizeram relatos sobre as demandas de seus territórios. Destacaram a falta de incentivo dos gestores na geração de renda para as mulheres negras e citaram dificuldades referentes ao empreendedorismo, agricultura familiar e território.

Luzia Mendes, 59 anos, do Quilombo Engenho, no município de Baião do Pará, na região do Baixo Tocantins, falou sobre a experiência de seu território, destacando a preocupação com os impactos que as comunidades sofrem devido a ação de grandes empreendimentos como a mineração: “Temos 43 territórios no nosso município, mas apenas 4 são titulados. Na nossa região existe o projeto de construção de uma barragem no Rio Tocantins e vamos sofrer grandes impactos como o envenenamento de nossos rios. Não vamos mais poder praticar uma de nossas atividades de sobrevivência, que é a pesca. Vamos ver a riqueza passando e nós ficaremos na miséria“, relatou. 

Mulheres quilombolas, acesso a saúde e práticas ancestrais

O grupo destacou a necessidade de valorização dos saberes ancestrais. Também abordaram sobre as diversas demandas e desafios enfrentados pelas comunidades referente ao acesso à saúde. Foram relatados, por exemplo, problemas de infraestrutura e transporte e a falta de atendimento nas unidades de saúde. 

“Precisamos valorizar os profissionais que estão no quilombo e que tem formação. Mas na realidade o poder público não promove esse incentivo, trazem pessoas de fora para atender às comunidades, sendo que a comunidade tem profissionais qualificados. Nossas demandas já são conhecidas pelo poder público, agora cobramos soluções”, citou a professora Nirda Rosa, do quilombo Chumbo, 46 anos, em Poconé – Mato Grosso.

Comunicação popular quilombola como ferramenta de luta política

O grupo discutiu a importância da comunicação como ferramenta de denúncia para levar a realidade e reivindicações dos quilombos na busca pela solução de demandas. 

“Na minha comunidade estamos passando por situações difíceis. Temos muitas famílias em situação de vulnerabilidade. Além disso, faltam medicamentos nos postos de saúde. Acreditarmos que a comunicação é muito importante para levar a nossa realidade”, disse Suelen Severino da Silva, 32 anos, tesoureira da Associação do Quilombo Graúno Itapemirim, no Espírito Santo. 

Mulheres Quilombolas e o acesso a Justiça

O grupo trouxe denúncias como o racismo estrutural e institucional, violações das leis por parte dos estados e municípios, a não aplicação da consulta prévia, livre e informada nas comunidades antes das construções de empreendimentos que atingem diretamente às comunidades, entre outras pautas. 

“Por mais que nós possuímos a nossa organização dentro de cada estado e município e que a gente busque fazer essas denúncias e recorrer ao poder judiciário para ter nossas demandas atendidas, esse Encontro nos fortalece porque a gente consegue entender melhor a realidade de outros quilombos, e o que percebemos é que nossas realidades se encontram. Buscamos que nossas denúncias cheguem às autoridades competentes e que nossos direitos sejam respeitados”, pontuou a advogada Madaliza dos Santos, 29 anos, do quilombo Maçambique, em Canguçu – Rio Grande do Sul. 

Encerramento 

Finalizando o Encontro, foi feito o chamamento para a segunda edição do Aquilombar. O evento, que leva  o tema “Ancestralizando o Futuro” será realizado em Brasília-DF,  no dia 7 de novembro de 2023. 

Selma Dealdina, que conduziu a programação do segundo Encontro de Mulheres da CONAQ, destacou a importância da realização do Encontro para reafirmar as pautas de mulheres quilombolas. “É um momento muito importante para a gente, que marca a nossa trajetória dentro do atual cenário político de possível diálogo com a atual gestão. Que venha o próximo Encontro com a gente muito mais fortalecidas. Com mais mulheres nas coordenações, nos espaços de poder, nas prefeituras, como vereadoras e construindo política”, encerrou.

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