TOCANTINS: BOAS PRÁTICAS DA AGRICULTURA FAMILIAR QUILOMBOLA

Por Débora Gomes Lima

O estado do Tocantins está inserido quase que totalmente no bioma Cerrado. A vegetação do Cerrado está associada ao clima tropical continental, com uma estação chuvosa e outra seca, além de possuir árvores retorcidas, arbustos e vegetação rasteira. Atingido pela construção de Brasília e das rodovias que ligam a capital, esse bioma vem sendo degradado rapidamente por causa do crescimento da agropecuária, o cultivo de soja, eucalipto e o aumento das queimadas. Entre os impactos ambientais causados estão o aumento das emissões de gases de efeito estufa e as mudanças climáticas.

As Comunidades Quilombolas do Tocantins são aliadas na conservação do Cerrado, vivem nele há muito tempo e contribuem para a diminuição dos impactos ambientais e das mudanças climáticas. São verdadeiras formas alternativas de organizações livres e comunitárias, que vivem principalmente da agricultura familiar e do extrativismo.  As práticas e saberes que foram herdados, vêm sendo compartilhados por anos e colaboram na conservação dos ecossistemas, através do cuidado com a biodiversidade, com a manutenção dos ciclos da natureza e com a baixa emissão de carbono. Está na forma como cuidam das águas, das sementes, do solo, como planta e criam seus animais e como se relacionam em harmonia com o meio necessário para a manutenção da vida.

Nesse sentido, citamos a seguir algumas das boas práticas, por meio da agricultura familiar quilombola, que apoiam na mitigação de mudanças climáticas:

  • Defesa do Cerrado

Conhecido como berço das águas, a manutenção do bioma Cerrado é necessária para o equilíbrio ambiental. As comunidades quilombolas, como um dos povos deste bioma, detêm conhecimentos tradicionais da sua biodiversidade que contribuem para a preservação. Coletando frutos nativos regionais, castanhas, óleos, além de animais para a caça consciente, até hoje os extrativismos dessas comunidades respeitam o ecossistema, possuem um conjunto de saberes que permite a conservação das águas e da biodiversidade. Assim, convivem em harmonia com o bioma utilizando os recursos naturais de forma consciente, reduzindo o desmatamento, as queimadas, preservando o ciclo hidrológico e diminuindo o uso de agrotóxicos.

  • Proteção da mata ciliar

A mata ciliar é a vegetação que circunda os córregos, rios e riachos e é parte fundamental de um ecossistema. Elas mantêm a qualidade da água, a estabilidade dos solos, prevenindo erosões, além de regularizar o ciclo da água e das temperaturas. Em relação a qualidade da água, a mata ciliar diminui assoreamentos causados pela chuva e impedem que entrem poluentes na água, uma vez que as raízes das plantas deixam o solo protegido. As comunidades quilombolas conservam as matas ciliares, pois compreendem que são essenciais na biodiversidade e são barreiras naturais para pragas e doenças na agricultura. A conservação dessas áreas ameniza a sensação térmica, baixando a temperatura e absorvendo dióxido de carbono.

  • Policultura

Essa prática consiste na produção de muitas culturas na mesma terra e, ao mesmo tempo, integra vários tipos de árvores, arbustos e plantas, além de criação de animais. Criar animais ao mesmo tempo que se planta, aumenta a diversificação da produção, usa-se menos terra e reduz os riscos causados pela mudança climática, pois podem sequestrar mais carbono com árvores. Além de não realizar desmatamento, possui um combate natural às pragas e doenças. A plantação não utiliza fertilizantes ou agrotóxicos e conserva o solo por meio da rotação de culturas. Assim, uma vez que o solo começa a ficar infértil, mudam para uma outra área esperando um tempo de descanso. Por isso, podemos dizer que é uma forma de agroecologia, pois protege o meio ambiente, evitando o desmatamento. As comunidades seguem em preservação do meio ambiente, da fauna e flora, mesmo utilizando a terra para plantar, sempre fizeram de forma sustentável, retirando da terra apenas o suficiente para o consumo e produção.

As comunidades quilombolas possuem distintos tipos de roças, que são caracterizadas por serem tradicionais e que há preocupação com a preservação, como:

  • Roça de Toco ou coivara

Consiste na derrubada e queima de uma pequena parte da área de vegetação, para, posteriormente, fazer o plantio nessa área por dois anos ou três. Toda a vegetação retirada na derrubada, desde árvores, folhas e frutos, é utilizada o máximo possível,  como exemplo: usar a madeira para fazer casas, lenhas, carvão, e usar a folhagem e raízes como adubo, pois utiliza-se as cinzas da queimada, a mediada que mexe na terra as cinzas mistura-se na terra. Após o período de plantação e colheita, essa área é preservada deixando a vegetação crescer novamente.

  • Roça de vazante ou roça de esgoto

Sua característica principal é a utilização das faixas de terra que ficam próximas aos rios, açudes, córregos e igarapés. No período chuvoso, essas áreas ficam cobertas de água e quando chega a seca é descoberta. Assim, faz-se a limpeza da área e começa a plantar, pode-se fazer covas viradas ou covas no plano. Covas viradas são para plantar, mandioca, batata-doce, cenoura e beterraba, que crescem dentro da terra. E covas no plano para plantios de curto prazo, como feijão e melancia.

Essas são alguns tipos de roça de maior predominância em comunidades quilombolas no Tocantins, livre de agrotóxicos, utilizando o que é oferecido pela natureza para o consumo e a venda local, tudo em harmonia desde o plantio até a colheita, adubos 100% natural, retirando da terra apenas para o necessário, sem trazer impactos significativo de forma negativa. Tudo é levado em consideração: período chuvoso, período seco, lua, sol e até mesmo estrelas são fundamentais. Tudo engloba o conceito de agroecologia e uma vida sustentável, em que se recebe da natureza e devolve para ela em formas de respeito e preservação. Essas práticas citadas são saberes tradicionais passadas de geração em geração.

Imagem de capa: Foto: Raphael Rabelo


 

Débora Gomes Lima: Débora é da Comunidade Quilombola Pé do Morro, é ativista dos Movimentos Sociais, da luta antirracista, é feminista, LGBTQIA+ e estudante de Licenciatura em Química.

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